A pessoa mais bonita
Quando acordei hoje, eu era a pessoa mais bonita do mundo.
Despenteado, saí sem vestir nada de especial: calça jeans, camiseta e meus tênis confortáveis com cadarços que não precisam amarrar.
Da grande barriga às covinhas nos punhos, da barba ruiva às entradas no meu cabelo, dos meus um e oitenta aos meus cento e trinta, eu era todo eu mesmo.
Um cara comum, como eu, é visto por muita gente quando sai de casa. Nunca vou saber exatamente quem, mas teve uma dessas pessoas que me viu e pensou: esse é o cara mais bonito de todo o mundo.
Por mais humilde que eu fosse, não pude contrariá-la. Nem meu tamanho desproporcional, nem meu rosto assimétrico, nem meus cabelos ralos e ressecados puderam me ajudar a não ser a pessoa mais bonita do mundo. Não pude evitar, pois toda a minha beleza estava dentro daquela pessoa, não em mim.
Porque quando você diz que alguém é belo ou feio, nunca está dizendo algo sobre a pessoa, está sempre dizendo algo sobre si mesmo. O correto não seria dizer “isso é belo”, mas sim “isso é belo em minha mente, em minha alma”.
Minha mãe comia, quando criança, a massa de macarrão que a minha vó fazia. Era uma massa caseira, uma experiência única, que ninguém mais provou. Eu, hoje, como o macarrão que vende no mercado, aquele mesmo que você compra, idêntico ao meu. Querem que todos os macarrões sejam iguais…
Querem que todas as belezas sejam iguais também. Querem que a minha mente e a sua mente e a de todo mundo concorde que isso é belo ou aquilo é feio. Querem anular a beleza dentro de você e de mim e substituir por uma beleza pré-fabricada, que se compra no mercado.
Começam criando um padrão de beleza. Depois, criando uma indústria de produtos que prometem deixar as pessoas mais próximas desse padrão. Por fim, espalham em cada canto do mundo uma imagem dizendo que aquilo é belo e dizendo que o contrário é feio.
Já imaginou um dia inteiro sem ver uma imagem que diga pra você o que é belo e o que é feio? Duvido que você tenha tido um dia sequer desses na sua vida até hoje.
Karen Carpenter era uma jovem e talentosa baterista que cantava lindamente. Seu canto era tão bonito que, ao ouvi-lo, todas as coisas do mundo se tornavam belas. Mas isso não foi suficiente, pois o mundo de sua época dizia que a beleza da mulher era proporcional a quanto ela era magra, e isso contribuiu para que ela morresse de anorexia antes de completar 33 anos.
Estimulam a auto-estima de quem se enquadra no padrão e destroem a auto-estima daqueles que não se enquadram. O resultado é tanta gente querendo mudar o que é para ser mais bela, sendo que tudo que precisam é achar alguém disposto a ver a beleza nelas.
Querem assassinar a beleza, mas será impossível. Sua beleza é uma rosa que nasce na alma de quem te vê. Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas não podem deter a primavera – já disse Che Guevara.
A minha beleza, bem, não sei quantas rosas tem por aí pra mim. Mas hoje, quando acordei, eu era a pessoa mais bonita do mundo.
— Diego Quinteiro.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
João: o homem que carregava um relógio no peito.
Zelador de tantas vidas, mas não zelava pela sua. Era assim que se sentia. Dever cumprido de cuidar de todas as tarefas do prédio, mas um sentimento grande de derrota que lhe cobria de arrependimentos e vontade de ter feito diferente, ou de fazer diferente. Ah, bobagem era. Já estava velho mesmo. Perto de morrer, pra que mudar?
Seu conflito era tal que por vezes não distinguia se falava de si, ou se delirava, incorporando talvez outras vidas, as vidas pelas quais ele zelava, iludindo-se que pudesse também olhar-se no espelho e ver algo além de nada. Enxergar alguma pessoa naquele pedaço de reflexo, nem que fosse lá no fundo, uma ruga, uma pele cortada ao se barbear, algum resto de vida, algo que pudesse contar sua história.
Nada. Não havia nada na rotina daquele velho senhor, que há tantos anos dedicou seus dias ao Edifício Diamante, em uma tranquila rua da Zona Sul de cidade qualquer boa de se viver. Viver lá fora, pensava ele. Ele vivia só dentro. Dentro dos portões, mas fora de si. Por dentro dele mesmo, onde deveria perceber-se humano, não via nada, que dirá de vida. Aspecto quase raro em sua robótica aparência, preenchidas de "bom dia" e "boa tarde", "sim, senhor" e "não, senhora".
Não foi a toa que recebeu durante mais uma de suas infinitas noites, no seu minúsculo quarto, uma visita que lhe mudou a vida. Até hoje não se sabe se naquele dia estava acordado ou dormindo, mas o fato é que algo mexeu com seu reflexo, e jogou em sua cara que aquele velho zelador não tinha história. E precisava ter.
- Você é um menino, uma criança desamparada, uma fita virgem. Sua verdadeira idade está aqui, no coração. - Disse a visita apontando para sua cabeça, sendo logo corrigida por ele, que lhe mostrou que o coração está no peito.
Mal sabia ele que o pouco de prova que ele sentia de que vivo estava, apenas o deixava iludido diante de sua condição de morto. Agarrava-se tanto à imensidão das batidas do chamado coração, a tudo que significava cada explosão que bombeava sangue em suas veias, que nunca percebeu ser aquele um relógio que batia em seu peito.
- Mas será que dá pra ser diferente? Fazer diferente? Eu me arrependo, juro que sim.
Ele descobriu que não dava. Diante do abismo, não havia nem mesmo a opção de pular na imensidão de suas dúvidas, nem condições de criar asas para voar. Estava morto na ilusão de estar vivo. Precisava ressuscitar antes que fosse tarde demais. Era tudo tão óbvio, afinal. Um relógio que lhe batia dentro do peito, aquele mistério todo tinha razão.
Tic.
Tac.
Uma contagem regressiva que lhe lançava no abismo, e lhe tirava a chance de se arrepender, de fazer novamente.
- Cada vez que o relógio bate, menos uma batida de vida você tem.
Por falar em bater, pensou, estou apanhando. Uma batida a menos de vida e um hematoma a mais na imagem que agora conseguia enxergar claramente diante do espelho. A vida não avança, retrocede. O tempo só diminui com o relógio que bate no peito.
- Por isso que eu vim, João - disse a visita. Para te ajudar a ter ritmo nas batidas de seu tempo.
Talvez seja esse, na verdade, o maior mistério da fé, concluiu. Acreditar que uma visita ainda vai chegar, e nos apresentar o ritmo das batidas de nosso tempo.
César Augusto Alves
Seu conflito era tal que por vezes não distinguia se falava de si, ou se delirava, incorporando talvez outras vidas, as vidas pelas quais ele zelava, iludindo-se que pudesse também olhar-se no espelho e ver algo além de nada. Enxergar alguma pessoa naquele pedaço de reflexo, nem que fosse lá no fundo, uma ruga, uma pele cortada ao se barbear, algum resto de vida, algo que pudesse contar sua história.
Nada. Não havia nada na rotina daquele velho senhor, que há tantos anos dedicou seus dias ao Edifício Diamante, em uma tranquila rua da Zona Sul de cidade qualquer boa de se viver. Viver lá fora, pensava ele. Ele vivia só dentro. Dentro dos portões, mas fora de si. Por dentro dele mesmo, onde deveria perceber-se humano, não via nada, que dirá de vida. Aspecto quase raro em sua robótica aparência, preenchidas de "bom dia" e "boa tarde", "sim, senhor" e "não, senhora".
Não foi a toa que recebeu durante mais uma de suas infinitas noites, no seu minúsculo quarto, uma visita que lhe mudou a vida. Até hoje não se sabe se naquele dia estava acordado ou dormindo, mas o fato é que algo mexeu com seu reflexo, e jogou em sua cara que aquele velho zelador não tinha história. E precisava ter.
- Você é um menino, uma criança desamparada, uma fita virgem. Sua verdadeira idade está aqui, no coração. - Disse a visita apontando para sua cabeça, sendo logo corrigida por ele, que lhe mostrou que o coração está no peito.
Mal sabia ele que o pouco de prova que ele sentia de que vivo estava, apenas o deixava iludido diante de sua condição de morto. Agarrava-se tanto à imensidão das batidas do chamado coração, a tudo que significava cada explosão que bombeava sangue em suas veias, que nunca percebeu ser aquele um relógio que batia em seu peito.
- Mas será que dá pra ser diferente? Fazer diferente? Eu me arrependo, juro que sim.
Ele descobriu que não dava. Diante do abismo, não havia nem mesmo a opção de pular na imensidão de suas dúvidas, nem condições de criar asas para voar. Estava morto na ilusão de estar vivo. Precisava ressuscitar antes que fosse tarde demais. Era tudo tão óbvio, afinal. Um relógio que lhe batia dentro do peito, aquele mistério todo tinha razão.
Tic.
Tac.
Uma contagem regressiva que lhe lançava no abismo, e lhe tirava a chance de se arrepender, de fazer novamente.
- Cada vez que o relógio bate, menos uma batida de vida você tem.
Por falar em bater, pensou, estou apanhando. Uma batida a menos de vida e um hematoma a mais na imagem que agora conseguia enxergar claramente diante do espelho. A vida não avança, retrocede. O tempo só diminui com o relógio que bate no peito.
- Por isso que eu vim, João - disse a visita. Para te ajudar a ter ritmo nas batidas de seu tempo.
Talvez seja esse, na verdade, o maior mistério da fé, concluiu. Acreditar que uma visita ainda vai chegar, e nos apresentar o ritmo das batidas de nosso tempo.
César Augusto Alves
Como boa amante do Dan Brown, especialmente de O Símbolo Perdido,o nome do meu blog não poderia ser outro. Aqui postarei coisas nas quais eu julgo verdadeiras e considero-as corretas. Gosto muita da literatura, sou apaixonada por livros, então livros e conteúdos citados neles serão assunto principal por aqui. Expressarei tudo o que julgo certo e espero encontrar pessoas que se identifiquem e que se interessem por minhas postagens, estarei divulgando também textos de minha autoria, talvez agrade algumas pessoas,ou várias.
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